A reconfiguração estratégica do varejo farma no Brasil
O varejo farmacêutico brasileiro atravessa um ciclo de transformação estrutural, alavancado por fatores demográficos, tecnológicos e regulatórios. O fenômeno das “farmácias em toda esquina” não é acaso: trata-se de um movimento empresarial intencional, amparado por algoritmos geográficos, análise de fluxo urbano e políticas agressivas de expansão territorial.
Em 2024, foram abertas cerca de 8.100 novas farmácias, ou 22 por dia, totalizando mais de 93 mil estabelecimentos ativos em 2025, segundo a Abrafarma e a IQVIA. Paralelamente, 7.900 pontos fecharam as portas — em sua imensa maioria (87%) independentes. O saldo positivo de grandes redes reflete a maturidade operacional de um setor que cresce em faturamento, mas enfrenta compressão de margem e concentração sem precedentes.
O consumo farmacêutico acompanha mudanças sociais profundas. O envelhecimento acelerado da população (mais de 15% dos brasileiros têm hoje 60 anos ou mais, segundo o IBGE), a valorização do autocuidado, e a epidemia silenciosa de transtornos mentais impulsionaram a demanda por medicamentos de uso contínuo e produtos de bem-estar. Entre janeiro e julho de 2024, o consumo de antidepressivos e estabilizadores humorais cresceu 91%, conforme dados da IQVIA Health.
DE BALCÃO A HUB DE SAÚDE
A aprovação da Lei 13.021/2014 consolidou as farmácias como unidades de prestação de serviços de saúde, permitindo testes rápidos, vacinação e acompanhamento farmacoterapêutico. O que começou como adequação regulatória tornou-se diferencial competitivo: atualmente, mais de 62% das lojas das grandes redes oferecem algum tipo de serviço clínico ou diagnóstico rápido.
Essa mudança alterou o mix de venda. Em 2025, o setor faturou R$ 106,8 bilhões, alta de 14,5% sobre 2024, segundo a Abrafarma. O principal vetor de crescimento vem dos itens não medicamentosos, que já representam 43% do faturamento — sobretudo cosméticos, suplementos, nutrição esportiva, snacks e produtos de dermocosmética.
A CONCENTRAÇÃO E SEUS EFEITOS
As três maiores redes — RaiaDrogasil (RD), DPSP e Pague Menos — concentram mais de 42% do mercado físico nacional. Essa concentração traz ganhos logísticos e poder de barganha junto à indústria, mas também reduz a diversidade regional e pressiona o ecossistema de farmácias independentes.
A competição se deslocou para o campo dos dados e da recorrência. CRM e programas de fidelidade como “Clube RaiaDrogasil”, “Viva Saúde” e “Meu Desconto Pague Menos” tornaram-se ativos estratégicos, convertendo o CPF do cliente em ativo informacional. Hoje, as redes líderes analisam mais de 250 milhões de transações mensais, cruzando dados de consumo e histórico clínico — um verdadeiro banco de comportamento de saúde.
NOVA ECONOMIA FARMA
O modelo de expansão territorial foi redesenhado. Equipes de inteligência utilizam modelos preditivos de micromercado e indicadores como ISS per capita, densidade habitacional e fluxo pedonal para definir pontos de venda. As redes têm terceirizado parte do risco imobiliário, adotando contratos de locação baseados em performance e parcerias com fundos imobiliários setoriais.
A financeirização do setor resultou em volatilidade. A RD, listada na B3, perdeu quase R$ 6,4 bilhões em valor de mercado em um único pregão de agosto de 2024 após divulgar queda de 8% no lucro líquido, não por retração de vendas, mas por compressão de margens e aumento no custo de bonificações.
RESISTÊNCIA E ADAPTAÇÃO
Enquanto isso, o associativismo farmacêutico, especialmente em redes regionais do Sul e Nordeste, reagiu com força. O segmento cresceu 13,9% em 2024, sustentado por plataformas de compras compartilhadas e soluções de CRM unificado. Iniciativas como o Farmácias Associadas, Ultra Popular e InovaFarma ganham musculatura com o uso de dados e logística compartilhada.
O JOGO MUDOU
A disputa no farma deixou de ser apenas por número de lojas. Hoje, trata-se de quem controla o relacionamento com o paciente e a jornada de conveniência. O setor migrou do conceito de “ponto de venda” para “ponto de cuidado e influência”. O que antes era um balcão de remédios virou um laboratório de comportamento e fidelização.
No fundo, o farma brasileiro tornou-se o espelho socioeconômico do país: cresce por fora, racionaliza por dentro e digitaliza por necessidade. Não se trata mais de vender medicamentos — trata-se de vender tempo, bem-estar e dados em um mercado onde a fronteira entre saúde e conveniência já desapareceu.
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Artigo muito bem escrito e interessante.
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